O Kpop foi o gênero musical mais expandido pela globalização da cultura coreana na onda Hallyu, disso não temos dúvida. Porém, outro estilo musical da Coreia do Sul vem ganhando gradualmente a atenção do público internacional, o Khiphop. Mesmo possuindo raízes mais antigas do que o famoso Kpop no país, foi esse que se tornou o ritmo nacional em relação aos olhos estrangeiros. Por possuir grande influência da música ocidental, muitas vezes o Khiphop foi criticado pela falta de autenticidade. Entretanto, quem dá uma chance ao ritmo percebe que tais críticas, não resistem a um exame minucioso da história do hiphop na Coreia, estilo que se tornou uma expressão autêntica da identidade dos artistas coreanos, respondendo aos ambientes musicais que sempre lhes foram importados.
O primeiro contato em grande escala da Coreia com o hiphop ocorreu nas boates do bairro de Itaewon, em Seul, perto da base dos EUA em Yongsan. Inicialmente, os clubes Itaewon estavam abertos apenas a soldados americanos, pois atendiam aos soldados americanos da base de Yongsan e em meados da década de 1980, eles também ficaram disponíveis para os receber coreanos. A história do hiphop na Coreia não começou com rappers e DJs, foi a dança que iniciou a popularização do ritmo americano no país. O clube Moon Night, se popularizou por organizar competições para dançarinos que aprendiam seus movimentos com soldados americanos e suas famílias. Uma parte significativa das maiores estrelas da dance music coreano dos anos 90, incluindo Seo Taiji and Boys mais tarde considerados precursores do Kpop, começou suas carreira no Moon Night.
A identidade do hip-hop coreano como dance music posteriormente causaria uma espécie de reação negativa no final da década de 1990. Os considerados primeiros astros do hiphop coreano como, Hyeon Jin-yeong, Seo Taiji and Boys e Deux apresentavam músicas consideradas bem diferente do hip-hop centrado no rap nos Estados Unidos. Este aparente afastamento do hiphop americano “original” causou uma reação contrária, que de certa forma pode ser vista até hoje quando a maioria dos rappers coreanos desvalorizam e desconsideram rappers de Kpop como rappers “de verdade”. O hiphop coreano nesse período era produzido em dois níveis, que inicialmente se mantinham distantes um do outro. A grosso modo, os níveis podem ser referidos como “overground” e “underground”. O primeiro era o que aparecia na televisão e vendia centenas de milhares de álbuns enquanto o último reunia álbuns em mixtapes e se apresentavam e ganhavam popularidade em boates subterrâneas.
Os fãs que rejeitavam o dance rap que então prevalecia na Coreia se reuniram em um quadro de avisos online primitivo considerada a primeira comunidade hiphop “underground” da Coreia e que deu origem a nomes como Garion e DEFCON. Esses rappers undergrounds buscaram sua própria versão de autenticidade criando rimas na língua coreana. Suas primeiras tentativas foram atormentadas pelo amadorismo, até que o momento inovador veio na forma do EP “Modern Rhymes” de 2001 de Verbal Jint. O rapper encontrou uma maneira de mudar a velocidade e a ênfase de suas letras para criar estruturas paralelas com cláusulas de diferentes durações usou a língua coreana para criar uma estrutura de rima tridimensional e progressiva, liberando o potencial da língua coreana dentro da estrutura lógica do hip-hop.
Não podemos deixar de fora que por muito tempo, principalmente na década de 1990 o hip hop coreano claramente podia ser visto como exercício de exotismo e apropriação cultural, algo que ainda somos capazes de ver nos dias de hoje. Mas com o tempo, tentativas e erros, os artistas de hip hop coreanos finalmente foram capazes de falar hiphop em sua própria língua valorizando e respeitando a cultura negra, mãe do ritmo, e esse fato teve enormes implicações na busca de autenticidade do hip hop coreano. A capacidade de fazer rap organicamente na língua coreana, por sua própria natureza, projetou muito mais autenticidade do que qualquer imitação do rap americano. Através do hip hop, os artistas coreanos finalmente puderam falar com sua própria voz e contar suas próprias histórias.
Os coreano-americanos sempre desempenharam um papel significativo na introdução da música negra na Coreia. A habilidade de falar inglês, o senso de moda, o estilo e a atitude dos coreano-americanos foram considerados uma marca de sua autenticidade. Foi nesse contexto que Tiger JK e então esposa Yoon Mi-rae, então membros de um grupo de hip-hop coreano-americano Uptown, começaram o seu movimento. Tiger JK formou o Movement Crew, uma influente comunidade de hip-hop que deu origem a grupos como Dynamic Duo, Leessang e Epik High, que coletivamente plantaram firmemente o hiphop centrado nas letras na música pop mainstream da Coreia. Influenciados pelo hiphop underground dos EUA da década de 1990, os rappers coreanos passaram a criar música crua e baseada nas mensagens que eles queriam passar para o povo pelo seu som.
Foi na década de 2010 que o Khipop deu início ao seu sucesso mainstream graças em parte a programas de TV populares como "Show Me The Money". SMTM criou uma plataforma para os rappers se apresentarem como pessoas para públicos que de outra forma talvez seriam incapazes de alcançar o público, o programa gradualmente os mostraram como pessoas amigáveis e simpáticas, em vez de hostis e arrogantes como antes era o estereótipo. Talvez em resposta, a aceitação social e a conveniência do título de rapper aumentaram significativamente. Em geral, a representação dos rappers no programa gerou um efeito positivo e teve grande influência em hoje o estilo ser considerado um dos mais populares entre os jovens coreanos.
Muito se discute sobre se astros do Kpop poderiam ser considerados verdadeiramente comprometidos com o hip-hop, mas o que significaria esse comprometimento afinal?. Ao observar a história da introdução do ritmo no país fica claro que são variações que tomaram rumos diferentes, mas que tiveram o mesmo objetivo ao adaptar sua cultura a um estilo de música já existente. Claramente, o hiphop não é um ritmo oriundo da Coreia. É um artefato cultural importado que só alcança sua autenticidade quando respeita as raízes do ritmo e é capaz de introduz sua cultura, sua língua e suas mensagens para assim tornar o Khiphop um ritmo independente, aceito pelo mundo e pela sua própria sociedade.
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